TÁ DANDO UM QUILO
CERTO?
Públio José – jornalista
Há bons trinta anos atrás eu tinha um
amigo muito espirituoso, cheio de tiradas, de citações engraçadas. Com seu
jeitão maneiro e descontraído, mantinha um permanente estado de alegria. Como
se diz no interior, pra ele não tinha tempo ruim. Tudo era motivo de riso. E
uma de suas manias era indagar a todo momento a quem dele se aproximava: “ta
dando um quilo certo?” Era seu cumprimento de rotina. Ao invés de perguntar tudo
bem? – como normalmente todos fazem – vinha logo com o carimbo: “tá dando
um quilo certo”? Aos que ficavam espantados ele explicava que o quilo tinha que
ser certo, correto, íntegro em sua composição de mil gramas. Ou seja, tinha que
registrar as mil gramas de forma bem certinha! Na sua concepção o quilo não
podia, por exemplo, ter 950 gramas ou 1.075. Não, não! No quilo não podia
faltar gramas nem sobrar. O quilo tinha que conter as mil gramas – e ponto
final!
Detalhe interessante nessa mania é que ele ampliava o emprego do “quilo certo”
para outros aspectos da vida, abrindo o leque para outros significados da
expressão. Assim, na vida, segundo a sua ótica, “tudo tinha que dar um
quilo certo”. Rigorosamente falando. E c’est fini. A amizade tinha
que dar um quilo certo; o desempenho profissional tinha que dar um quilo certo;
a fidelidade entre namorados, noivos, casados e amigos tinha que dar um quilo
certo; os pais tinham que manter com os filhos um relacionamento na base do
quilo certo – e vice-versa; os comerciantes tinham que vender produtos que
respondessem afirmativamente a esse apelo do quilo certo; as balanças, nas
feiras livres, tinham que apontar o quilo rigorosamente no padrão do quilo
certo; os políticos... Bom, aí eu vi que o quilo certo não cabe em todas as
coisas; que nem sempre a sua aplicação corresponde à realidade. E na
política...
Ora, em um país em que as principais lideranças primam pela prática do quilo
errado, como ia se firmar em toda a sua extensão a pretensão dele de que “tudo
na vida tinha que dar um quilo certo?”. Onde encontrar um quilo certo em algum
lugar do recanto brasileiro, onde tudo expressa a prevalência do quilo errado?
Na educação o quilo não atinge nunca as mil gramas; na saúde a balança está
mais furada do que tábua de pirulito, com hospitais sucateados, estoque sempre
negativo de materiais e remédios, equipes médicas e profissionais em geral
estressados e mal pagos; no sistema de transportes públicos a pesagem está
muito abaixo do ideal; as estradas, portos e aeroportos operando muito distante
de um padrão mínimo de qualidade; o sistema telefônico deficiente e
sobrecarregado e cobrando uma das tarifas mais caras do mundo; Correios
entregando correspondência sempre fora do prazo...
Onde, meu Deus, encontrar no Brasil o quilo certo em alguma coisa?
Principalmente agora, quando expressiva parcela da população protesta nas ruas,
defendendo ética, transparência, lisura – ou seja, querendo que um quilo no
Brasil represente realmente a medida certa das mil gramas? Nas questões que
envolvem a política, a administração pública? No relacionamento entre governos
e iniciativa privada? Quando passaremos a ter na vida nacional uma cultura do
quilo certo? Aí eu vi quão grande é a quimera que representa isso tudo. De como
está distante o momento de ver o Brasil um país ético – onde, afinal, um quilo
seja realmente um quilo de mil gramas. Tento enxergar alguma esperança e o que
vejo? Até o eleitor contribui – pelos políticos que elege – para a manutenção
do Brasil como um país de pesagem falsa. Sarney, Renan, Collor, Maluf, Genoino,
Tiririca... Onde estão as mil gramas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário