O CACHORRO E O GATO
Públio José – jornalista
publiojose@gmail.com
Os tempos antigos – tempos em que os bichos falavam – nos encantam com uma
fábula muito interessante. É a fábula do Cachorro e Gato. Eu era menino
quando tive acesso a essa história. De lá para cá, muitos detalhes da fábula se
perderam da minha memória, mas ficou o tom inesperado do desfecho, a conclusão
inusitada do seu enredo. O cachorro tinha um dono agressivo que o obrigava a
ser valente, destemido, sem medo de enfrentar animais até maiores do que ele.
Já o dono do gato era pacato, mais interessado na solução de seus problemas
diários, sem inclinação para bisbilhotar a vida dos outros. Muito menos em
promover arenga do seu gato com outros animais das proximidades. É bem verdade
que o fato de possuir um gato não lhe dava condições de fazer do bichano um
lutador contumaz. Quando muito, cobrava do gato atitude mais agressiva quando
surgia um rato.
É certo
também que, para enfrentar um rato, o gato não precisava de muito incentivo.
Afinal, gato é gato. E em seus instintos está o desejo de devorar os ratos que
cruzam seu caminho. Os problemas para o gato tiveram início quando o dono do
cachorro passou a incitá-lo a perseguir o gato. “Vida miserável” reconhecia,
por conta das inúmeras vezes que entrara em casa, esbaforido, tendo o cachorro
em seus calcanhares. Reclamava do seu dono uma postura a seu favor, algum gesto
em sua defesa, mas o homem lhe pedia paciência e voltava-se para os seus
problemas. A partir de um determinado momento, o gato concluiu que ele mesmo
tinha de fazer algo para se livrar da perseguição. (Imaginem que, em certas
ocasiões, estava na iminência de abocanhar um rato – quando surgia o cachorro, pondo
tudo a perder. Além da humilhação, e do risco de ser devorado, voltava para
casa de barriga vazia).
Essa fábula se apresta sob medida ao que se passa atualmente no Brasil. Os
políticos que estão no poder fazem o papel do cachorro, enquanto a população
representa o gato. Perseguida, humilhada,
roubada em seus anseios por uma vida melhor, a população brasileira se debate
em angústias – sem ter a quem apelar. Não pode almejar nada melhor para sua
vida, pois aí vem o cachorro – e zás! Devora tudo! Basta olhar para o volume de
obras inacabadas (milhões e milhões de reais jogados na lata do lixo. Epa! lata
do lixo não. No bolso de um bando incalculável de corrutos); a educação no
fundo do poço; o precaríssimo sistema de transportes urbanos; a segurança
entregue às traças; a saúde moribunda; e agora, diante de uma realidade que lhe
mostra portentosos estádios de futebol, onde bilhões e bilhões foram gastos,
com retorno incerto, enquanto outros serviços continuam de péssima qualidade.
O que o povo fez? Cansado de ser perseguido pelos corrutos e gestores
incompetentes, lançou-se às ruas em sinal de protesto. E o que se viu, do dia
para a noite, foi o brasileiro, principalmente os jovens, debatendo temas a até
pouco tempo distantes do seu dia a dia. Com isso, os responsáveis pelos
governos tomaram um susto e viram a situação se inverter: agora o gato é quem
persegue o cachorro. Agora, a pauta de discussão nas casas legislativas e nos
palácios governamentais vem sendo imposta pelo clamor das ruas. Tudo semelhante
ao acontecido na fábula. Pois um dia, cansado de tanta perseguição, o gato
reuniu um grupo de (gatos) amigos e partiu para a luta. Em bloco, voaram pra
cima do cachorro e lhe deram uma sonora surra. Tão sonora, que até hoje se ouve
o ganido do cachorro, por praças, ruas e avenidas, todo lenhado das unhadas e
mordidas dos gatos. Canhãe, canhãe, canhãe...
Miau...
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