O Sono das Águas
"Há uma hora certa,
no meio da noite,
uma hora morta,
em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa, no açude,
no brejão, nos olhos d’água,
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas,
sonolentas, todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha nas placas da folhagem.
E adormece até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono".
Do livro "Magma" - de João Guimarães Rosa
Rio - Ed. Nova Fronteira
1977 -66
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