Maria das Flores - Ninita Lucena
E o galo cantou quando Maria nasceu, e oi galo cantou quando Maria morreu.
O cantar do galo, pela madrugada, anunciava mais um amanhecer e como uma orquestra, saudava o nascimento de Maria das Flores. Não sei se por ironia do destino, assim ela foi chamada. E o sol com os seus primeiros raios aqueciam aquela madrugada primaveril.
Maria precoce, logo andou e foi aprendendo os valores da vida. O pai lhe dizia: - Maria das Fores, menina é diferente, não deve fazer o que o homem faz. O lar é o seu lugar.
Maria dizia: - Pai, eu quero estudar para logo saber ler e escrever.
Mas o pai respondia: - Não há professora aqui neste lugar. Estudar na cidade, só para meninos.
Maria cresceu, reprimindo o desejo de ler e escrever, seu destino era o lar.
E cedo casou Maria das Flores. Só conhecia o trabalho do lar. Vieram logo os filhos. O marido a trabalhar e Maria a cuidar somente do lar. Mais uma gravidez e como diz o adágio popular, lá ia Maria “com um filho no papo, um filho no saco e outro debaixo do sovaco”. Com uma lata d’água na cabeça andava dois quilômetros para água apanhar. E Maria com um sorriso nos lábios a todos cumprimentava: - bom dia seu Zé, bom dia Dadá, como vai seu Mané?
Porém Maria era humana, sentia cansaço e o seu corpo doía. Estava gestante já de sete meses, o peso excessivo, os afazeres domésticos a deixavam-na exausta. Morava em uma pequena casa de taipa, sem nenhum conforto. Estava sujeita às intempéries da vida, do tempo e da sua condição social. Era mais uma Maria-mãe, mulher, a quem foi negado o direito de cidadania: saúde, educação e moradia digna.
E Maria, cansada, desesperançou... Remédios eram caros e os médicos não atendiam graciosamente. Não tinha assistência previdenciária. Maria estava definhando e já não possuía a mesma alegria.
O marido fazia “bicos” para assim sobreviver.
Maria oprimida, Maria sofrida, Maria da vida, Maria da morte, entregue ao relento, entregue à má sorte. MARIA DAS FLORES que só teve flores na hora da morte.
Faleceu Maria, com o filho no ventre, e o seu caixão, coberto de flores, a
fez tão bonita; nos lábios um sorriso, como se estivesse partindo alegre para uma terra cheia de flores, onde não existissem oprimidos e opressores.
O canto do galo, naquela tardinha, saudava Maria, lhe dava um adeus. As flores eram brancas como branco o seu rosto, e dela exalava um perfume de flores. E Maria das Flores fez a última caminhada, lentamente levada por parentes e amigos que na vida a amaram e de saudade choraram.
Passaram-se dias e surgiam comentários, que no Campo Santo, um perfume contagiante se expandia. Alguém já dizia: - Deve ser a Maria das Flores que em vida sofria e a morte a exaltou, e a terra a preservou intacta e perfeita, A notícia se espalhou e todos queriam ver a última morada de Maria das Flores e poder sentir o perfume que dela exalava.
Ali estava Maria das Flores a aguardar o sublime momento do encontro esperado, onde o corpo e o espírito para a glória irão, após a Ressurreição.
UM CONTO PARA VOCÊ
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